19 de abril de 2012

Questões para Julio Cabrera

Se se sabe que viver é sem valor e que a própria busca por reconhecimento é fuga daquela constatação, por que, mesmo assim, insistir em ser reconhecido? Por que um filósofo ético-negativo quer ser reconhecido como tal? Se for um anseio psicológico, isso quer dizer que há elementos irracionais que conduzem o comportamento sem passar pelo crivo da razão negativa? Sendo assim, por analogia, outros anseios psicológicos, tais como a vontade de ter um filho ou o desejo de abortar uma gravidez indesejada também estariam isentos de análise moral?

Se as relações humanas são essencialmente conflitantes e se não há possibilidade real de discussão filosófica, por que insistir em tentar fazer prevalecer sua posição filosófica em relação às demais? Você não comete algum tipo de falácia quando diz que não acredita em discussões filosóficas mas se dispõe a participar de uma? Não seria uma espécie de tentativa de apelo relativista antecipado para evitar um confronto com um adversário que possa representar uma ameaça a seus argumentos? Além do mais, se os dialéticos estão corretos, a simples discussão entre Cabrera e Marcus proporcionou uma "transmutação" de ideias que seguiram rumos próprios e em níveis diferentes, por exemplo fazendo-me escrever este e-mail. Não surgiram ideias fabulosas como resultado de querelas filosóficas? Os próprios filósofos não revêem certas posições depois de submetidos ao debate? Enfim, não há um resultado positivo, um certo refinamento da discussão, quando há diálogo filosófico?

Se os aspectos empíricos ou ônticos do comportamento são contaminados pela falência estrutural do ser humano (e.g., o argumento da velha folgada do caixa eletrônico), ou seja, se são reflexos de sua falência ontológico-terminal, então devo concluir que se não há saída para a miséria ontológica, tampouco haverá escapatória no mundo ôntico? Se a resposta é sim, então a ética negativa está habilitada a afirmar a necessidade de ações políticas positivas (ônticas) em defesa da sociedade - de seres humanos terminais -, como a busca de soluções para a erradicação da miséria, para a redução da criminalidade, para o problema dos órfãos abandonados, para o tratamento dos doentes mentais, para a garantia da liberdade de pensamento etc? (Abro estes parênteses para confessar que odeio movimentos políticos puramente negativos, como a tal "Marcha contra a corrupção". O que essa marcha propõe de positivo para a melhoria do sistema político brasileiro?)

Tive uma dúvida parecida com a do Marcus. Se para a ética negativa a vida é estruturalmente sem valor, por que se pressupõe negativa? Você quer dizer que a sua ética nega o valor da vida ou que a vida, em si, não tem valor? Se não tem valor, se é nada, nada se segue. Mas se é negativa, é o contrário de uma positividade necessária para o próprio conceito de negatividade (isso me lembra o Diálogo "O Sofista", de Platão, quando o Estrangeiro defende que o não-ser é, me arriscando a fazer uma aproximação entre as categorias ser/positivo e não-ser/negativo). Portanto a ética negativa pode ser uma ética primordial ou será sempre reativa, não no sentido em que ambas as éticas, positiva e negativa, são reativas à condição de estar jogado numa existência angustiante em busca de um ser inalcançável, mas reativa à outras propostas éticas positivas anteriores. Como sustentar o negativo a partir do que não tem valor? Quando se assume uma postura "anti" alguma coisa, já não se está fazendo parte do quadro que se está negando, como diria Hegel?

A ética negativa não é também uma reação, uma forma simbólica construída para escapar à condição humana intrinsecamente deplorável? Por ser uma filosofia produzida por um ser terminal, não se trata de mais uma tentativa de pôr em ordem o que não pode ser ordenado, ou melhor, de aplacar a dor da certeza da própria miséria? Em caso positivo, ela se confundiria com as éticas positivas pelo menos na motivação de sua existência?

Posso pensar em falácia da circularidade? Premissa: a vida não tem valor intrínseco; Conclusão: devemos viver de acordo com a moral, pois a vida não tem valor intrínseco.

A própria possibilidade de surgimento de uma ética negativa não depõe contra o pessimismo absoluto em relação à espécie humana? Quando o valor do humano é negado, também são negados os valores de suas criações culturais e feitos históricos? Que tenha surgido um filósofo que pensou uma ética negativa me parece engrandecer algum aspecto possível do humano. Que dessa raça miserável tenham surgido Platão, Mozart, Bergman e Machado de Assis, cujos trabalhos engrandeceram notavelmente a cultura humana, parece ser algo anti-intuitivo para uma posição negativa sobre o valor da vida, pressupondo-se que arte e filosofia são produzidas por seres humanos enquanto viviam.

"A vida é patética, não trágica". Concordo em parte. Realmente perdemos muito tempo de vida com situações nada engrandecedoras, como enfrentar filas de qualquer natureza, resolver problemas domésticos ou lidar com pessoas dispensáveis. Mas dizer que a vida não é trágica é o mesmo que dizer que não há vida trágica? Não seria melhor dizer que, em geral, a vida não é trágica? Há casos conhecidos de vidas trágicas, como, para citar um clássico, o de Abelardo e Heloísa ou o de Gandhi, este tão bem retratado no cinema.

Éder Carvalho Wen

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